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Textos

(Re)construindo imaginários: a conquista do retratismo negro

A exposição “Construção”, do artista visual Marcio Marianno, acolhida e exibida pelo SESC São Carlos, apresenta de forma poética, subjetiva e pitoresca, o percurso de um homem no campo das artes produzidas no Brasil. 

À despeito da forte aversão do sistema hegemônico das artes visuais em reconhecer que devemos tratar de categorias sociais como gênero, cor, classe e suas intersecções, pois, nos permitem distinguir e ajustar  as falhas residentes nele, realçamos que Marcio é um homem, um homem negro.

A cor da pele como qualidade que nos caracteriza tem sido manejada pela branquitude a fim de delimitarem os entendimentos do ser e de estar no mundo ocidental. Ou seja, a partir da cosmovisão eurocêntrica que qualifica e difunde as histórias, culturas, heranças dos povos brancos como superiores e involucradas na aura de verdade única.

Tal imposição ontológica transparece em todos os aspectos de uma sociedade ocidentalizada como a brasileira. Suprime, subestima, subjuga, grupos que não correspondem visualmente tanto à aparência quanto às práticas socioculturais do grupo que se outorgou a noção de padrão e universal. 

Esses sentimentos e sensações recorrentes nas vivências de quem, cotidianamente se depara com instituições que naturalizaram o racismo como balizador das relações, do manifesto ao dissimulado, coloca a pessoa não branca no cruzo do entendimento de sua identidade.

Em 1903,  o intelectual  afro-estadunidense W. E. B. Du Bois, publicou The souls of black folk (As almas do povo negro), trazendo o termo “dupla consciência” ao se referir ao conflito gerado nas pessoas oprimidas em sociedades surgidas dos processos de expropriação territorial, cultural, corporal, do genocídio ao epistemicídio.

O conceito da “dupla consciência” se materializa nas obras que Marianno compartilha conosco em “Construção”, nas quais muitas personagens de suas pinturas realistas, executadas a partir de fotografias produzidas pelo artista, surgem sem faces como que com identidades suprimidas pela colonialidade. 

É o saco de papel pardo, a luva de algodão, o capuz do agasalho, um ângulo específico, uma figura sangrada, dentre outros recursos que nos impedem o reconhecimento fisionômico. A subtração dos rostos de traços negroides metaforiza a interdição da negritude num país no qual a branquitude regula muitas das instâncias da vida, inclusive a da atribuição de valor positivo às pessoas negras.

Dominando com primazia a linguagem da pintura à óleo, dantes restrita às elites que acessavam o ensino formal nas academias de arte e, posteriormente, nas universidades e cursos livres, Marianno refaz um percurso de outros artistas não brancos que dominaram a técnica. Contudo, há em sua poética o interesse por expor fragilidades, silenciamentos, retraimentos, taciturnidades que incidem sobre pessoas negras devido às inúmeras circunstâncias do convívio social prenhas de abusos diários. 

Marianno está (re)construindo imaginários sobre pessoas apagadas da história da arte brasileira, recolocando-nos na posição de centralidade. Desvela poética e paulatinamente as gradações de opressão, para nos proporcionar um retratismo negro que expressa a conquista de autoconfiança como ser humano e como artista visual. O psiquiatra martinicano Frantz Fanon, afirma em Peau noire, masques blancs (Peles negra, máscaras brancas), 1952, que “o negro não é um homem, é um homem negro”. Pedimos licença para atualizar essa frase a partir das pinturas e vídeo trazidas por Marianno, que se autoriza à celebração de sua existência como uma conquista: “o homem é negro e artista”.

por Renata Felinto 2023
texto para Exposição Construção

Nasceu em 1978 em Santo André, município de São Paulo, é artista visual e  educador profissão que ele compartilha com alguns dos artistas da exposição.

Sua pintura, de caráter naturalista, tem em comum com outros artistas desse elenco narrativas que consagram o protagonismo da pessoa negra a partir de sua própria imagem, em autorretratos que criam ficções, projeções poéticas a partir das quais, o particular se arroja à condição de universal. Assim como Luiz 83 sua formação não é devedora dos saberes derivados do ensino artístico formal, mas partilha e participa da tradição de pintores negros que, desde pelo menos o sec. XIX, realizaram projetos de consistente cabedal a partir de premissas não convencionais e não raro, adversas.
A pintura de Marianno denota o gosto pelo uso da tinta a óleo, material exigente que ele investiga em suportes diversos nas suas potencialidades com a paciência de profissional  dedicado.

por Claudinei Roberto da Silva
texto do curador para Exposição PretAtitude

Com origem no universo pop dos quadrinhos e animações, Marcio Marianno, que também já enveredou pela linguagem do grafite, agora se encontra imerso na pintura óleo.

Seu trabalho, resultado de uma intensa pesquisa sobre a linguagem pictórica, busca afirmar o sujeito artista-homem-negro e sua posição na sociedade contemporânea, bem como discutir sua herança histórica. O que se percebe em suas pinturas é uma atmosfera de solidão, e um mergulho psicológico. A partir de sua própria imagem, Marianno encarna, como numa performance, um personagem que busca ao mesmo tempo seu lugar na contemporaneidade e sua ancestralidade. 

Sua série de auto retratos, quase todos desprovidos de face, se constituem de imagens escuras e carregadas de memória, mas também trazem referências imagéticas e cores da pop art, as quais fazem parte de seu percurso como ilustrador, animador e editor de vídeos, além de skatista. Todos os trabalhos dizem respeito ao auto retrato, mesmo quando a imagem é um objeto, ou uma paisagem, todos são elementos potentes da memória e história do artista. 

Produzida em camadas, as pinturas de Marianno discutem os fazeres tradicionais aliados à uma narrativa atual e íntima e enunciam um processo no qual em cada etapa o artista se torna um desbravador de si mesmo. 

por Gina Dinucci
Artista e educadora